Dança Afro-brasileira

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*<b>BALÉ DE PÉ NO CHÃO</b>  – a dança afro de Mercedes Baptista. Direção: Lilian Sola Santiago e Marianna Monteiro.  São Paulo: Fundação Cultural Palmares, c.2005. 1 DVD.
*<b>BALÉ DE PÉ NO CHÃO</b>  – a dança afro de Mercedes Baptista. Direção: Lilian Sola Santiago e Marianna Monteiro.  São Paulo: Fundação Cultural Palmares, c.2005. 1 DVD.
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*[[Primeira Reunião Setorial de Dança Afro ]]
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*[[A Dança dop Candomblé]]
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*[[A Dança na Umbanda]]
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--[[Usuário:Gabriel Lima|Gabriel Lima]] 11h22min de 28 de abril de 2013 (BRT)
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Edição de 18h36min de 26 de julho de 2013

Tabela de conteúdo

Um pouco de História

Uma das grandes características da cultura africana é a oralidade. Crenças, conhecimentos e filosofias são passadas de pai para filho desde tempos imemoriais nos mais diversos campos da vida africana.


A oralidade como ferramenta de registro atingiu muitos campos da vida africana, o que deixou como legado para a dança, mesmo a afro-brasileira, uma grande lacuna quando falamos em sistematização ou mesmo um registro formal de um saber que há muito vem sendo repassado somente pelas vozes do corpo e do gesto. Para os africanos “o corpo é, por excelência, o local da memória, o corpo em performance, o corpo que é performance” (CARDOZO, 2006).


A dança afro como uma técnica corporal já é reconhecida e praticada há muito tempo. Pode-se pensar na dança afro como uma inauguração da dança moderna brasileira nos idos dos anos 50 e 60. A dança afro-brasileira é então fruto das práticas trazidas pelos escravos africanos para o Brasil e que foram reelaboradas e transformadas na América Portuguesa (MONTEIRO,2011), que em medos do século XX tomam forma e caráter cênico.

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Balé Folclórico da Bahia - Dança de Origem
Foto: Marisa Viana


A técnica de dança afro-brasileira como se conhece hoje foi sistematizada por Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro ainda nos anos 40. A partir da necessidade de criar espaço para um corpo negro em cena, frente às dificuldades encontradas para subir no palco do Theatro, Mercedes iniciou uma fusão entre a dança realizada pelas pessoas nas ruas, seus conhecimentos de clássico e moderno, adquiridos de seus estudos com Katherine Dunham em Nova York (CAMINADA, 1999, p. 423) e as informações recebidas sobre religiosidade durante suas pesquisas. Tudo isso fundido de maneira “autodidata” (MELGAÇO, 2007, p. 40). Dessa forma nasceu a dança afro de Mercedes Baptista. Como relata Monteiro (2011) “Mercedes propôs uma leitura peculiar da cultura afro-brasileira e situou a dança em novas bases. A dança afro de Mercedes Baptista configurou-se como uma prática, um estilo, um repertório de práticas e danças em ruptura com o balé clássico e completamente identificado com os novos parâmetros da dança moderna, mas tendo como referência a tradição africana tal qual se configurava no Brasil”.


A dança afro, tal qual foi sistematizada por Mercedes Baptista, se constitui por influências diversas. Tendo sido bailarina de formação essencialmente clássica, levou para a sua dança alguns dos preceitos do balé clássico, mas sobretudo, o conhecimento adquirido sobre dança moderna e a influência das danças de matrizes africanas, com as quais teve contato inicialmente durante o período em que estudou dança moderna com Katherine Dunham, em Nova York.


Katherine Dunham foi uma pesquisadora norte americana que trabalhou com a dança de matriz africana no Caribe e no Haiti aliada à dança moderna e que convidou Mercedes Baptista, então bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a estudar dança junto a sua companhia.


Mercedes passou um ano e meio nos EUA estudando dança e retornou ao Rio de Janeiro em 1951 com toda a bagagem artística e cultural adquirida com Katherine Dunham. Há época, o palco do Theatro Municipal ainda não era o mais receptivo para uma bailarina negra e ela então começa a pesquisar, com a ajuda fundamental de figuras religiosas como Joãozinho da Golméia, Paulo Conceição, Gilberto de Jesus, Fu-Manchu e Humberto, a religião africana no Brasil e como ela se dava em termos de dança. Mercedes havia experienciado, a partir das pesquisas de Katherine Dunham, a dança de matriz africana que se dançava no Haiti e no Caribe e que percebeu, não funcionaria aqui (MELGAÇO, 2007, 39-41).


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Mercedes Baptista ministrando aulas no Clark Center de Nova Iorque.
Fonte: Livro "Mercedes Baptista, a Criação da Identidade Negra na Dança"


As manifestações afro na dança surgem dentro de um contexto maior, o contexto de um projeto nacional para a cultura brasileira, iniciado com o governo Vargas e que visava a valorização do que poderia ser genuinamente nosso, algo, ou algumas coisas, dentre elas a dança, que nos unificassem como nação (PEREIRA, 2003). A dança afro levada para a cena, com corpos negros e uma técnica que deu à dança de matriz africana um lugar no palco, aparece então com o sentido de reafirmar a cultura afro-brasileira, nacional portanto, na cena artística nacional e internacional através da dança. O popular e o folclórico ganharam espaço cênico a partir das décadas de 30 e 40 e a dança afro como foi sistematizada por Mercedes Baptista veio a legitimar, mesmo que posteriormente ao governo Vargas, essas iniciativas de representar com dança e através dela o que seria realmente nacional.


A Movimentação na Dança Afro-brasileira

“As especificidades da dança afro são justamente essa trajetória que ela realiza a partir da tradição oral africana, resguardando elementos do drama ritual (homenagem aos deuses, à natureza, ao líder, ao cotidiano), e como qualquer dança local de qualquer comunidade é representada principalmente pelos movimentos advindos dos rituais (não necessariamente os religiosos, mas sim os culturais), acompanhados por forte influência dos instrumentos e ritmos africanos.” (CARDOZO, 2006)


“Dança afro são os movimentos corporais ritmados que perfomatizam elementos das matrizes tradicionais orais africanas.” (CARDOZO, 2006).


A dança afro-brasileira, sistematizada por Mercedes Baptista, teve por base os movimentos realizados nos cultos do [Wikipedia:Candomblé|candomblé], religião essencialmente africana, onde a dança é parte integrante e inerente ao culto religioso. Transportada para os palcos, a dança dos orixás, os deuses da cultura yorubá, constitui então uma das principais bases coreográficas da dança afro, mas não se reduzindo a ela. Uma vez no palco, a dança, que em sua origem é dançada em roda e nos espaços delimitados dos terreiros e casas de santo (SABINO;LODY, 2011), ganha um caráter performático, completamente diferente do religioso e o que antes era o candomblé ou a incorporação de um filho de santo, passa a ser a representação do candomblé, a representação da incorporação de um filho de santo (LIMA, 1995). A conexão com a religiosidade passa a se dar apenas no nível do embasamento coreográfico, mesmo este sofrendo todas as mudanças necessárias para fazer da dança afro uma dança cênica, uma dança de palco. A dança afro se torna, então, pelo trabalho de Mercedes Baptista, espetáculo, objeto de apreciação estética.


“A dança afro incorpora a dança dos orixás sem o caráter ritualístico ou litúrgico dos candomblés, adaptada para o palco a partir do terreiro. Nesse processo mudam-se os objetivos: a dança não é mais instrumento para se atingir o transe religioso o que torna os movimentos repetitivos ao som dos atabaques. A coreografia constrói uma grande variedade de movimentos corporais em rápida sequência procurando ocupar todos os espaços do palco. A mesma lógica se aplica à dança do maracatu, lundu, jongo, cafezal, caxambu, que também fazem parte da base coreográfica da dança afro.” (LIMA,1995).

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Balé Folclórico da Bahia – Maracatu
Foto: Marisa Viana


A dança afro-brasileira tem por características marcantes a força em seus movimentos, a grande agilidade na execução dos passos e a sensualidade, que é algo natural dos povos africanos.


Na movimentação da dança afro, assim como nas técnicas de dança moderna, como, por exemplo, a preconizada por Nina Verchinina (CERBINO, 2010), o corpo move-se como um todo. Não há partes esquecidas, estando todas as estruturas presentes e ativas durante a movimentação cênica.

A tabela abaixo, idealizada por Cardozo (2006), mostra algumas das principais diferenças entre a dança afro e o balé clássico, a título de melhor compreensão da estrutura coreográfica desenvolvida a partir das pesquisas de Mercedes Baptista.


Parte do CorpoDança ClássicaDança Afro-brasileira
TroncoBailarino clássico apresenta uma rigidez vertical do corpo, que limita os movimentos dos quadris. Bailarino afro em posição vertical ou inclinada, realizando frequentes ondulações e intenso movimento de quadris.
PernasBailarino clássico com pernas extremamente esticadas, projetando o corpo para cima. Bailarino afro com pernas dobradas, que levam o corpo a se voltar para o chão, sendo este referência determinante.
PésBailarino clássico em ponta, meia-ponta e/ou na posição en dehors (pés voltados para a lateral). Bailarino afro com as plantas dos pés voltadas para o chão, em posição paralela.
OmbrosBailarino clássico com ombros rígidos, eretos. Bailarino afro com ombros flexíveis e em intensos movimentos giratórios.


Cardozo (2006), sob a luz do pensamento de Marques (1999), sugere ainda que “ao contrário do que acontece no ballet clássico, cujos movimentos arredondados e ‘para cima’ lhe conferem uma harmonia de continuidade, na dança moderna (afro) eles são mais naturais e angulares. Se no clássico a intenção é ‘atingir o céu’, no moderno (afro) dá-se o retorno à terra, os pés descalços sentindo o chão”.


Os movimentos de quadril estão muito presentes nos movimentos da dança afro-brasileira, remetendo à sensualidade, que se mostrará presente principalmente na representação de das danças de orixás femininos. Os movimentos de ombro também são muito utilizados na técnica de dança afro, estes trazidos por Mercedes Baptista a partir das pesquisas de Katherine Dunham, que como relata Lima (1995) são movimentos exógenos à dança afro que tem suas bases nos movimentos rituais do candomblé. Katherine utilizava-se dos movimentos de ombros em sua dança em função desta nuance de movimento estar muito presente nas danças locais do Caribe e particularmente do Haiti.


A Dança dos Orixás

A dança de matriz africana é entendida e utilizada como uma linguagem corporal socialmente contextualizada, que conta histórias, que descreve vivências, recria o mundo. (SABINO;LODY, 2011)


As danças dos orixás são parte integrante do culto religioso do candomblé. A dança dos orixás demonstra e ilustra a conexão com as divindades, representa o movimento e as histórias dos deuses em seu aspecto divino e em seu contato com o mundo humano.

O panteão de orixás do candomblé, no Brasil, conta com mais de 10 principais deuses que são aqui cultuados, cada um deles com personalidades e histórias distintas, o que influencia diretamente em sua representação cênica através da dança. Os pés de dança, como são chamados (SABINO;LODY, 2011), representam as características coreográficas detalhadas de cada orixá.

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Balé Folclórico da Bahia - Corte de Oxalá (Exu)
Foto: Philip Martin


A representação do orixá torna-se então diferenciada no culto e no palco. No culto, ela é dançada pelos membros da comunidade religiosa, com seus corpos distintos e não necessariamente com treinamento específico de dança, limitando-se ao enfoque religioso e ritual do movimento dançado. Para o palco, a movimentação de cada orixá foi trabalhada por Mercedes Baptista durante sua pesquisa de construção da técnica da dança afro-brasileira, o que dá à movimentação singularidades específicas a serem desenvolvidas pelo corpo treinado do bailarino.


As danças dos orixás são executadas sob um ritmo específico para cada divindade do panteão africano e cada uma terá traços coreográficos próprios. As coreografias das danças dos orixás remetem à mitologia de cada orixá, representando seus feitos, suas características individuais, suas histórias. Os orixás são comumente representados cenicamente portando uma ferramenta, uma espécie de insígnia que “identifica o caráter, a função e a história dos orixás” (SABINO;LODY, 2011).


Abaixo, descrições de algumas danças de orixás que tem sua representação solo mais difundida, especificando as formas que cada uma delas toma cenicamente e como se dá o modo de execução específico de cada uma.


Ogum

Na mitologia africana, Ogum é um orixá guerreiro, um rei e general de batalha, responsável pelo armamento bélico possuído pelos homens e por todos os instrumentos de metal utilizados não só na guerra, mas também nas atividades do cotidiano. Orixá de grande vitalidade e virilidade, a dança de Ogum é rápida, forte, precisa e ilustra a movimentação que esse orixá realiza quando utiliza seus facões para abrir a mata ou em movimentos de batalha, amolando seus facões (LIMA, 1995).


Assim como a maioria dos orixás, Ogum possui um objeto que o identifica, e que são seus facões, que serão utilizados então em boa parte de sua representação cênica. As mãos espalmadas, com dedos unidos e os braços esticados, como os dois grandes facões, são utilizados para representar esses objetos característicos de Ogum. Os movimentos dos ombros também são traços fortes na dança de Ogum, bem como os de peito, que ilustram o embate corporal durante uma batalha (LIMA, 1995). O toque de atabaque específico de Ogum é o aderé.


Iansã

Deusa dos raios e das tempestades, senhora dos ventos, Iansã é na mitologia africana uma orixá de extrema força e feminilidade. Além do controle sobre alguns elementos da natureza, ela é ainda responsável por “espantar” os eguns, que são espíritos de ancestrais, mortos. Nas mãos, Iansã carrega uma espécie de ornamento de palha, que é usado, bem como alguns ornamentos nos pés, para espantar esses eguns. Essa característica da orixá se representa na dança através de movimentos dos braços, como dois “ventiladores” que rodam para dentro (LIMA, 1995) e do intenso movimento dos quadris, que fazem mexer os “espanta eguns” dos tornozelos. A movimentação de Iansã também remete ao controle dos ventos através dos intenso movimento dos braços.


Iansã é ainda representada com espada e escudo ou chicote, o Erechim, que usa para espantar os eguns e mover os ventos (SABINO;LODY, 2011).


Oxum

Assim como Iansã, Oxum também é uma orixá feminina. Deusa das águas doces, como os rios e cachoeiras, Oxum é sempre representada com um espelho nas mãos, o Abebê, no qual está sempre a mirar-se. Símbolo da vaidade e da beleza, Oxum tem em sua movimentação uma leveza e sensualidade inerentes. Movimentos calmos e autoapreciativos são característicos dessa orixá, que tem por toque de atabaque específico, o ijexá.


A mão espalmada e com a palma voltada para o rosto, representa o espelho de Oxum e com ele se dá boa parte de sua representação cênica, que adota por ambiente os rios e lagos, como se a orixá estivesse neles se banhando enquanto executa sua dança (LIMA,1995), o que aumenta o toque de leveza e feminilidade de sua dança. Arrumar os cabelos e adornar-se com jóias são atos que remetem a personalidade da orixá e que também são bastante característicos de sua movimentação cênica.


Referências


Ver também


--Gabriel Lima 11h22min de 28 de abril de 2013 (BRT)

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