Crítica de Dança

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Nota: Esse verbete foi construído com base na pesquisa de Paula Gorini Oliveira, “Corpo e Mediação: trajetos para uma crítica de dança”, monografia desenvolvida para o curso de Pós-Graduação ''latus senso'' em '''Jornalismo Cultural''', da Faculdade de Comunicação Social, UERJ, 2009. Qualquer alteração, favor avisar a autora: paulagorini@gmail.com
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O objetivo do trabalho é discutir os universos que compõem a produção em dança, o público não-especializado e o jornalista de cultura, pelos critérios da mediação. Partindo da premissa de que o espaço para dança no jornalismo cultural se restringe muitas vezes a um release da obra, ou a uma “agenda”, informando que há um espetáculo, mas sem um aprofundamento dos conceitos que envolvem aquele trabalho, pensar como a crítica especializada pode contribuir para a compreensão da produção artística contemporânea. Em última instância o presente estudo é uma busca por um jornalismo de cultura mais didático e menos superficial.
O objetivo do trabalho é discutir os universos que compõem a produção em dança, o público não-especializado e o jornalista de cultura, pelos critérios da mediação. Partindo da premissa de que o espaço para dança no jornalismo cultural se restringe muitas vezes a um release da obra, ou a uma “agenda”, informando que há um espetáculo, mas sem um aprofundamento dos conceitos que envolvem aquele trabalho, pensar como a crítica especializada pode contribuir para a compreensão da produção artística contemporânea. Em última instância o presente estudo é uma busca por um jornalismo de cultura mais didático e menos superficial.
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A função da crítica fica bem explícita nessa passagem como fator de mediação pressuposta entre crítico e público. Ainda que comprometida com um saber científico, influência do positivismo no Brasil, fruto de seu tempo, a crítica para Honorato ganha importância para formação intelectual dos apreciadores e dos autores de literatura. O que há de limitador nesse trecho, no entanto, e que ao longo do livro de Cândido (1988) será desconstruído para dar espaço ao pensamento revolucionário de Sílvio Romero, é que os críticos da época seguem o padrão retórico e judicativo, valores já “ultrapassados”.
A função da crítica fica bem explícita nessa passagem como fator de mediação pressuposta entre crítico e público. Ainda que comprometida com um saber científico, influência do positivismo no Brasil, fruto de seu tempo, a crítica para Honorato ganha importância para formação intelectual dos apreciadores e dos autores de literatura. O que há de limitador nesse trecho, no entanto, e que ao longo do livro de Cândido (1988) será desconstruído para dar espaço ao pensamento revolucionário de Sílvio Romero, é que os críticos da época seguem o padrão retórico e judicativo, valores já “ultrapassados”.
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==O crítico como mediador==
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O crítico de artes pode ter seu trabalho voltado para o jornal ou para crítica acadêmica. A produção voltada para academia, de caráter científico, atinge um público específico, como estudantes, artistas e pesquisadores. Por isso, o crítico acadêmico contribui para uma produção fundamental de um saber específico, mas restrito a um universo pouco acessível. O crítico do jornal de cultura tem sua produção voltada para o cotidiano, com papel de mediação mais consistente, já que possui função clara de comunicar, de tornar acessível o que parece restrito. Sua mediação consiste em estabelecer o diálogo entre o que há de pensamento sendo produzido no universo acadêmico, paralelo ao que há de atual sendo criado no universo artístico, e o público leigo. O texto crítico que iremos abordar no estudo é o texto jornalístico, já que esse nos interessa como mediação entre especialista, artista, acadêmico e público.
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O que pode comprometer a mediação do jornal, no entanto, é o compromisso que toda empresa jornalística carrega com a intenção comercial de seus textos. O veículo noticioso, mesmo quando especializado, é sempre um produto que tem como objetivo principal vender a informação. A notícia é mercadoria, e muitas vezes nas matérias sobre dança predominam as companhias já reconhecidas mundialmente, que garantem a venda dos jornais, o interesse do leitor. Partindo desse pressuposto, é possível entender que o aprofundamento teórico acaba perdendo sua importância em prol de textos informativos, demonstrando mais um serviço que uma informação elaborada. Além disso, com espaço delimitado pelo editor, representante dos interesses do jornal, a matéria de cultura perde também em destaque, se limitando muitas vezes a releases ou agenda cultural. O texto é quase sempre uma abordagem descritiva.
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A crítica jornalística pode ser pedagógica e apresentar ao leitor casual caminhos para um conhecimento contextualizado da produção artística local. O jornalismo cultural pode ser uma ferramenta de pesquisa, de conhecimento, para quem está pesquisando cultura. Para Britto, a crítica está vinculada à formação de um pensamento sobre dança, ainda em desenvolvimento. Se pensarmos que a primeira escola de dança fundada no Brasil, no Rio de Janeiro, data de 1930,  a consistência encontrada como produção de conhecimento acadêmico em dança ainda é iniciante. Assim coloca Britto em seu estudo sobre as “funções e disfunções da crítica de dança”:
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<big>"Até hoje, a dança não dispõe de um corpus teórico sistematizado e difundido, que responda a questões prementes
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para seu desenvolvimento e reconhecimento de sua existência como arte autônoma; bem como forneça o apoio estruturante
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de suas formulações conceituais à prática da crítica. Esta é, atualmente, regulada pelos princípios extra-estéticos
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do canal em que é veiculada, o jornal – até o momento canal mais comum para sua atuação." (BRITTO, 1993, p.8)</big>
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A crítica de dança se encontra ainda predominantemente como produção do jornalismo de cultura, mas a crítica jornalística não deve se prestar ao estrito do factual, mesmo quando remete a uma obra da contemporaneidade. Para que haja uma mediação consistente, o texto crítico deve se prestar ao desenrolar analítico, que pressupõe aprofundamento sobre o assunto, um olhar estético preparado e uma generosidade narrativa, para criar acesso ao conhecimento e à informação do espectador geral. Seu produto final servirá como base informativa tanto para o fruidor da obra, quanto para o artista que produz, contribuindo para produção de conhecimento em dança e engrossando a massa teórica ligada à produção artística daquela localidade, seja regional, nacional, ou internacionalmente.
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Em seu texto sobre crítica literária, Cândido chama essa crítica de jornal de “militante” e indica que as revistas especializadas em literatura, onde a crítica ganhava espaço privilegiado, contribuíram para o pensamento literário da época. No entanto, o processo jornalístico que compõe tais críticas é um tanto limitador, já que é feito sempre de um dia para o outro, o que não permite maior aprofundamento, e se estabelece na relação comercial da empresa jornalística. (Op. cit., p.27)
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Dessa forma, Cândido conclui que as revistas especializadas ajudaram a divulgar um gosto pela literatura e criar uma consciência analítica, mas destaca que tal função coube, por excelência, à crônica e ao folhetim do jornal, que facilitaram a aproximação do público graças a um tom ameno e familiar. (Ibid., p.27) Nesse aspecto retorna a idéia de “aproximação”, levantada por Benjamin, que no caso do jornalista de cultura, aproxima a linguagem artística do público, através da reprodução em massa do jornal e da mediação da linguagem do jornalista, criando meios concretos de construir o diálogo entre dois universos distintos: o especializado e o comum.
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O crítico de teatro Décio de Almeida Prado, no prefácio de seu livro Exercício Findo (1987), uma coletânea de críticas escritas pelo autor entre os anos de 1964 e 1968, trata da função do crítico, seus prestígios e suas dificuldades. Em um trecho interessante de se destacar, que contribui com o desenvolvimento do que estamos tentando definir como crítica, Prado explica:
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<big>"O crítico, como qualquer profissional, vale por sua competência no assunto, por sua informação estética e
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histórica, por sua perspicácia e discernimento. A maior dificuldade que enfrenta sempre me pareceu ser esta: extrair
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da massa informe de impressões que vão acumulando em seu espírito durante o espetáculo, em camadas sucessivas e às
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vezes contraditórias, um relato coerente e dotado de um relativo enredo, no sentido aristotélico de conter princípio,
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meio e fim." (PRADO, 1987, p.13)</big>
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O crítico de dança tem, portanto, importante tarefa a realizar, que compete em retirar substância analítica de um universo muitas vezes abstrato, essencialmente subjetivo, e transmitir para o público não-especializado como dados objetivos. Uma crítica não está comprometida apenas com o texto descritivo, mas com a elaboração de artifícios que servirão como guias para o que o público possa ter uma compreensão totalizada da obra e formar sua própria interpretação. Além disso, está comprometida com a própria classe artística que representa, sendo mais uma fonte de estudo para os pesquisadores da área e um reflexo na sociedade dos novos paradigmas artísticos. A crítica de artes faz parte do todo que rege a educação em artes.
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Para falar de crítica, no entanto, devemos levar em consideração que o escritor por trás da crítica, para além das questões levantadas até aqui de aprofundamento teórico, é um sujeito ativo da classe que representa, ou pelo menos deveria ser. Sua credibilidade é construída a partir de significados que investe em sua leitura de obra e que transpassa ao público, numa responsabilidade dupla, com o leitor e com a classe artística. Vejamos uma passagem de Prado:
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<big>"O prestígio do crítico não advém de si próprio mas do grau de representatividade que lhe é atribuído, de sua
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repercussão sobre o corpo de leitores, entre os quais se inclui a classe teatral. Ele faz parte de um processo em que
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todos intervêm com seu palpite, do autor ao mais modesto dos espectadores. (...) o crítico não se coloca acima ou
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abaixo dos seus colegas de teatro. Como eles, cumpre um papel, para o qual imagina ter uma vocação específica."
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(ibid., p.13)</big>
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O crítico entra nesse processo de comunicação que a dança estabelece como um tradutor. Não porque expressa exatamente o que o público deve entender do trabalho assistido, mas porque trabalha com linguagem. A linguagem da dança, compreendida para os conhecedores de seu código peculiar, a linguagem escrita, na crítica publicada no jornal, a linguagem da mediação, entre obra e público.
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É nesse sentido que o crítico é um mediador. Seu olhar sobre a obra é a lente pela qual o público terá um contato elaborado, do ponto de vista do intelecto, sobre a experiência artística que vivenciou, ou o primeiro contato com uma obra que ainda não conhece. A mediação do crítico se estabelece entre o universo produtivo do artista, que está “carregado” de conceitos - passou por um processo de pesquisa, estudo, observação e técnica durante sua criação - e o universo do público-receptor que não tem obrigação de conhecer ou compreender os valores conceituais dessa criação.
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O crítico de dança, seja um jornalista de cultura, seja um acadêmico da dança, seja um intelectual especializado, pode contribuir significativamente com a diminuição da distância entre público e artista. Como mediador, fala as duas línguas, e para que seu discurso alcance esse objetivo não deve se influenciar pelo gosto, mas pela objetividade analítica da obra, tornando mais palatável para o fruidor o que num primeiro momento pode parecer muita abstração, e conseqüentemente, aproximá-lo da obra em vez de afastá-lo ainda mais.
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No que diz respeito a conceitos ainda em construção, como os que envolvem a dança contemporânea, o papel do crítico é mais que a simples apresentação impressa de um espetáculo, mas ao contrário, se o trajeto utilizado for de esclarecimento, a crítica jornalística pode ser didática e contribuir dessa forma com o crescimento cultural da sociedade, quebrando antigos paradigmas.
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==Referência==
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*GORINI, Paula. Corpo e Mediação: trajetos para uma crítica de dança. Monografia defendida como requisito parcial para obtenção de título de especialista em Jornalismo Cultural. Programa de Pós-graduação, Faculdade de Comunicação Social, UERJ. Rio de Janeiro, 2009.

Edição atual tal como 15h24min de 12 de agosto de 2013

Nota: Esse verbete foi construído com base na pesquisa de Paula Gorini Oliveira, “Corpo e Mediação: trajetos para uma crítica de dança”, monografia desenvolvida para o curso de Pós-Graduação latus senso em Jornalismo Cultural, da Faculdade de Comunicação Social, UERJ, 2009. Qualquer alteração, favor avisar a autora: paulagorini@gmail.com


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Tabela de conteúdo

Breve Introdução

A ideia de se trabalhar os possíveis trajetos para crítica de dança contemporânea surgiu em primeiro lugar por uma motivação empírica. Pela minha formação como bailarina contemporânea pela Escola Angel Vianna, por acompanhar os espetáculos e eventos de dança contemporânea e por ter tido a oportunidade de trabalhar no Panorama de Dança 2008, fui instigada a compreender o por quê da ainda escassa repercussão na mídia dessa arte.

(...)

Num espaço representativo do pensamento contemporâneo, o jornalista de cultura e o crítico transformam a leitura de uma obra em mensagem informativa, o que não precisa ficar restrito à linguagem técnica do jornalismo segmentado, mas presta um serviço também reflexivo, pedagógico até. Em um dos textos utilizados como base no desenvolvimento desta monografia, Fabiana Britto fala sobre a alternativa pedagógica da crítica:


"... recentes concepções e propostas metodológicas para ensino da arte, têm apontado a crítica como vértice
complementar, indispensável, no processo de aprendizagem artística. (...) Esse caráter emancipatório está no cuidado
com sua função didática: atuar como vetor de formação pluralista do gosto, através da valorização da diversidade, ao
invés de promover a afirmação de estilos e procedimentos artísticos, eleitos por critérios de modismo ou subjetivos,
como únicos valores estéticos do momento. (BRITTO, 1993, p.18)


Os possíveis trajetos para uma crítica de dança mais didática fazem parte de uma alternativa ao jornalismo de cultura, que tem seu valor já definido pelo espaço especializado, e como responsabilidade a divulgação da produção cultural, seja local ou internacional. No espaço do caderno de cultura há dois lados: o comercial, em que o produto cultural, fruto de nossa contemporaneidade, (baseado no conceito da Indústria Cultural, que representaria a mercantilização da arte) necessita ser vendido, divulgado, e traz para o jornal uma perspectiva de lucro; e o que ainda é pouco desenvolvido, o lado formativo, em que a perspectiva didática entra como meio alternativo ao comercial, apresentando elementos que constituem a cultura como um todo, numa divulgação do pensamento contemporâneo que se expressa nas artes.


O objetivo do trabalho é discutir os universos que compõem a produção em dança, o público não-especializado e o jornalista de cultura, pelos critérios da mediação. Partindo da premissa de que o espaço para dança no jornalismo cultural se restringe muitas vezes a um release da obra, ou a uma “agenda”, informando que há um espetáculo, mas sem um aprofundamento dos conceitos que envolvem aquele trabalho, pensar como a crítica especializada pode contribuir para a compreensão da produção artística contemporânea. Em última instância o presente estudo é uma busca por um jornalismo de cultura mais didático e menos superficial.


Crítica e Mediação

O crítico de artes é um profissional que transita por duas áreas de conhecimento: comunicação e artes. Normalmente sua formação está relacionada a um saber especializado sobre seu objeto de estudo e a um aprofundamento a saberes afins – conceitos de arte, formas de arte, política cultural. No campo da comunicação, o crítico pode ser de formação jornalística ou um intelectual especializado, mas participará, como produtor de informação, dos conceitos e teorias que envolvem o ato de comunicar. Por isso seu papel será sempre de mediador.


Também é específica a representação artística que o crítico elege como objeto de estudo e análise, podendo ser artes plásticas, teatro, música, literatura, cinema ou dança. Para qualquer que seja sua escolha, seu olhar de crítico contribui não só para informação especializada, como também para formação de público, de opinião, de pensamento, sobre o trabalho artístico em destaque no seu texto. Através do trabalho do crítico, o público pode ter um material intelectualizado, analítico e aprofundado sobre a obra de arte e o universo em que está inserida. Uma crítica bem elaborada trará para o leitor leigo uma esfera reflexiva contextualizada diante da produção artística que o cerca, acrescentando valores históricos e sociais, filosóficos e políticos, preenchendo de sentido a criação artística para um olhar não habituado com essa linguagem.


Antônio Cândido, em seu livro O método crítico de Sílvio Romero (1988), numa análise sobre a crítica literária brasileira, assim define crítica:


"Se tomarmos a palavra crítica numa acepção bastante geral, podemos dizer que engloba três aspectos principais:
a história literária e disciplinas afins, constituindo a investigação metódica das criações literárias em relação com
o tempo e a personalidade do autor; a teoria da literatura, estudo sistemático do fenômeno literário e, finalmente, a
crítica propriamente dita, que é o esforço de interpretação direta da obra. (CÂNDIDO, 1988, p.17)


Apesar de estar se referindo à produção literária, Cândido indica um caminho para crítica que passa pela formação especializada e pela contextualização da obra em seu tempo e em suas facetas artísticas e teóricas. Numa visão mais específica da dança, Fabiana Britto, em sua dissertação de mestrado sobre a crítica de dança no Brasil, reflete sobre a importância da contextualização do púbico leigo nos eventos que interferem na interpretação.

"Partindo do pressuposto de que a adequação dos sistemas interpretativos ao seu ambiente é imperativo para sua
eficiência, é possível compreender a função da crítica na atualidade como sendo uma atividade responsável pela
inserção do objeto analisado no seu contexto, contextualizando, por espelhamento, o público. Daí sua importância ser
tanto maior quanto mais complexa for a configuração de seu ambiente sócio-cultural – casos em que a interação
público/ obra só se viabiliza pela mediação do conhecimento especializado sobre a especificidade do objeto
artístico." (BRITTO, 1993, p. 10 - 11)


O público que se vê inserido no contexto da obra, se reconhece naquela criação. Ao encontrar uma identidade com o objeto analisado, não só aumenta sua capacidade de compreensão sobre o todo da obra, como também sua curiosidade sobre a produção em destaque. Essa é uma forma de levar o leitor para perto da linguagem artística, primeiro pelo viés reflexivo, intelectual, depois pela experiência real. Através da crítica, podem ser encontrados fragmentos da atualidade e também da pesquisa acadêmica que gira em torno daquela expressão. Mais adiante em sua análise, Britto torna ainda mais específico seu raciocínio em relação à importância das referências teóricas como fator de contextualização.


Tais referências teóricas atuam como mediação explicativa, desde que não apareçam no texto sob a forma de conceitos áridos ao leitor, deslocados do objeto, nem tão pouco aplicados a ele como categorias prévias, absolutas em sua capacidade de apreendê-lo plenamente. Uma crítica cuja preocupação é enriquecer a relação público x obra, contrapõe-se a esse efeito redutor, aproveitando os subsídios fornecidos pelas referências teóricas de outra área para inserir a obra numa perspectiva não somente estética mas, também, social, histórica, mercadológica, política etc. (ibidem, p.16)


São fragmentos de um saber que o profissional especializado, no papel de crítico, pode utilizar como ferramenta de mediação para o público. Sendo assim, um crítico de dança, por exemplo, não está apenas apresentando informações técnicas sobre o espetáculo, mas influenciando em uma forma de ver.

(...)

A função da crítica fica bem explícita nessa passagem como fator de mediação pressuposta entre crítico e público. Ainda que comprometida com um saber científico, influência do positivismo no Brasil, fruto de seu tempo, a crítica para Honorato ganha importância para formação intelectual dos apreciadores e dos autores de literatura. O que há de limitador nesse trecho, no entanto, e que ao longo do livro de Cândido (1988) será desconstruído para dar espaço ao pensamento revolucionário de Sílvio Romero, é que os críticos da época seguem o padrão retórico e judicativo, valores já “ultrapassados”.


O crítico como mediador

O crítico de artes pode ter seu trabalho voltado para o jornal ou para crítica acadêmica. A produção voltada para academia, de caráter científico, atinge um público específico, como estudantes, artistas e pesquisadores. Por isso, o crítico acadêmico contribui para uma produção fundamental de um saber específico, mas restrito a um universo pouco acessível. O crítico do jornal de cultura tem sua produção voltada para o cotidiano, com papel de mediação mais consistente, já que possui função clara de comunicar, de tornar acessível o que parece restrito. Sua mediação consiste em estabelecer o diálogo entre o que há de pensamento sendo produzido no universo acadêmico, paralelo ao que há de atual sendo criado no universo artístico, e o público leigo. O texto crítico que iremos abordar no estudo é o texto jornalístico, já que esse nos interessa como mediação entre especialista, artista, acadêmico e público.

(...)

O que pode comprometer a mediação do jornal, no entanto, é o compromisso que toda empresa jornalística carrega com a intenção comercial de seus textos. O veículo noticioso, mesmo quando especializado, é sempre um produto que tem como objetivo principal vender a informação. A notícia é mercadoria, e muitas vezes nas matérias sobre dança predominam as companhias já reconhecidas mundialmente, que garantem a venda dos jornais, o interesse do leitor. Partindo desse pressuposto, é possível entender que o aprofundamento teórico acaba perdendo sua importância em prol de textos informativos, demonstrando mais um serviço que uma informação elaborada. Além disso, com espaço delimitado pelo editor, representante dos interesses do jornal, a matéria de cultura perde também em destaque, se limitando muitas vezes a releases ou agenda cultural. O texto é quase sempre uma abordagem descritiva.


A crítica jornalística pode ser pedagógica e apresentar ao leitor casual caminhos para um conhecimento contextualizado da produção artística local. O jornalismo cultural pode ser uma ferramenta de pesquisa, de conhecimento, para quem está pesquisando cultura. Para Britto, a crítica está vinculada à formação de um pensamento sobre dança, ainda em desenvolvimento. Se pensarmos que a primeira escola de dança fundada no Brasil, no Rio de Janeiro, data de 1930, a consistência encontrada como produção de conhecimento acadêmico em dança ainda é iniciante. Assim coloca Britto em seu estudo sobre as “funções e disfunções da crítica de dança”:


"Até hoje, a dança não dispõe de um corpus teórico sistematizado e difundido, que responda a questões prementes
para seu desenvolvimento e reconhecimento de sua existência como arte autônoma; bem como forneça o apoio estruturante
de suas formulações conceituais à prática da crítica. Esta é, atualmente, regulada pelos princípios extra-estéticos
do canal em que é veiculada, o jornal – até o momento canal mais comum para sua atuação." (BRITTO, 1993, p.8)


A crítica de dança se encontra ainda predominantemente como produção do jornalismo de cultura, mas a crítica jornalística não deve se prestar ao estrito do factual, mesmo quando remete a uma obra da contemporaneidade. Para que haja uma mediação consistente, o texto crítico deve se prestar ao desenrolar analítico, que pressupõe aprofundamento sobre o assunto, um olhar estético preparado e uma generosidade narrativa, para criar acesso ao conhecimento e à informação do espectador geral. Seu produto final servirá como base informativa tanto para o fruidor da obra, quanto para o artista que produz, contribuindo para produção de conhecimento em dança e engrossando a massa teórica ligada à produção artística daquela localidade, seja regional, nacional, ou internacionalmente.


Em seu texto sobre crítica literária, Cândido chama essa crítica de jornal de “militante” e indica que as revistas especializadas em literatura, onde a crítica ganhava espaço privilegiado, contribuíram para o pensamento literário da época. No entanto, o processo jornalístico que compõe tais críticas é um tanto limitador, já que é feito sempre de um dia para o outro, o que não permite maior aprofundamento, e se estabelece na relação comercial da empresa jornalística. (Op. cit., p.27)

(...)

Dessa forma, Cândido conclui que as revistas especializadas ajudaram a divulgar um gosto pela literatura e criar uma consciência analítica, mas destaca que tal função coube, por excelência, à crônica e ao folhetim do jornal, que facilitaram a aproximação do público graças a um tom ameno e familiar. (Ibid., p.27) Nesse aspecto retorna a idéia de “aproximação”, levantada por Benjamin, que no caso do jornalista de cultura, aproxima a linguagem artística do público, através da reprodução em massa do jornal e da mediação da linguagem do jornalista, criando meios concretos de construir o diálogo entre dois universos distintos: o especializado e o comum.


O crítico de teatro Décio de Almeida Prado, no prefácio de seu livro Exercício Findo (1987), uma coletânea de críticas escritas pelo autor entre os anos de 1964 e 1968, trata da função do crítico, seus prestígios e suas dificuldades. Em um trecho interessante de se destacar, que contribui com o desenvolvimento do que estamos tentando definir como crítica, Prado explica:


"O crítico, como qualquer profissional, vale por sua competência no assunto, por sua informação estética e
histórica, por sua perspicácia e discernimento. A maior dificuldade que enfrenta sempre me pareceu ser esta: extrair
da massa informe de impressões que vão acumulando em seu espírito durante o espetáculo, em camadas sucessivas e às
vezes contraditórias, um relato coerente e dotado de um relativo enredo, no sentido aristotélico de conter princípio,
meio e fim." (PRADO, 1987, p.13)


O crítico de dança tem, portanto, importante tarefa a realizar, que compete em retirar substância analítica de um universo muitas vezes abstrato, essencialmente subjetivo, e transmitir para o público não-especializado como dados objetivos. Uma crítica não está comprometida apenas com o texto descritivo, mas com a elaboração de artifícios que servirão como guias para o que o público possa ter uma compreensão totalizada da obra e formar sua própria interpretação. Além disso, está comprometida com a própria classe artística que representa, sendo mais uma fonte de estudo para os pesquisadores da área e um reflexo na sociedade dos novos paradigmas artísticos. A crítica de artes faz parte do todo que rege a educação em artes.


Para falar de crítica, no entanto, devemos levar em consideração que o escritor por trás da crítica, para além das questões levantadas até aqui de aprofundamento teórico, é um sujeito ativo da classe que representa, ou pelo menos deveria ser. Sua credibilidade é construída a partir de significados que investe em sua leitura de obra e que transpassa ao público, numa responsabilidade dupla, com o leitor e com a classe artística. Vejamos uma passagem de Prado:


"O prestígio do crítico não advém de si próprio mas do grau de representatividade que lhe é atribuído, de sua
repercussão sobre o corpo de leitores, entre os quais se inclui a classe teatral. Ele faz parte de um processo em que
todos intervêm com seu palpite, do autor ao mais modesto dos espectadores. (...) o crítico não se coloca acima ou
abaixo dos seus colegas de teatro. Como eles, cumpre um papel, para o qual imagina ter uma vocação específica."
(ibid., p.13)


O crítico entra nesse processo de comunicação que a dança estabelece como um tradutor. Não porque expressa exatamente o que o público deve entender do trabalho assistido, mas porque trabalha com linguagem. A linguagem da dança, compreendida para os conhecedores de seu código peculiar, a linguagem escrita, na crítica publicada no jornal, a linguagem da mediação, entre obra e público.

(...)

É nesse sentido que o crítico é um mediador. Seu olhar sobre a obra é a lente pela qual o público terá um contato elaborado, do ponto de vista do intelecto, sobre a experiência artística que vivenciou, ou o primeiro contato com uma obra que ainda não conhece. A mediação do crítico se estabelece entre o universo produtivo do artista, que está “carregado” de conceitos - passou por um processo de pesquisa, estudo, observação e técnica durante sua criação - e o universo do público-receptor que não tem obrigação de conhecer ou compreender os valores conceituais dessa criação.


O crítico de dança, seja um jornalista de cultura, seja um acadêmico da dança, seja um intelectual especializado, pode contribuir significativamente com a diminuição da distância entre público e artista. Como mediador, fala as duas línguas, e para que seu discurso alcance esse objetivo não deve se influenciar pelo gosto, mas pela objetividade analítica da obra, tornando mais palatável para o fruidor o que num primeiro momento pode parecer muita abstração, e conseqüentemente, aproximá-lo da obra em vez de afastá-lo ainda mais.


No que diz respeito a conceitos ainda em construção, como os que envolvem a dança contemporânea, o papel do crítico é mais que a simples apresentação impressa de um espetáculo, mas ao contrário, se o trajeto utilizado for de esclarecimento, a crítica jornalística pode ser didática e contribuir dessa forma com o crescimento cultural da sociedade, quebrando antigos paradigmas.


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