Movimento Autêntico
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+ | No início dos anos 60, seu interesse por dança estava cada vez mais distante e o processo de realizar a dança é que se tornou algo instigante. Para ela, a dança era uma forma de expressão profunda, de comunicação e insights. No entanto, como a compreensão que se tinha de dança na época era baseada em ensaio e repetição; ela não via como os movimentos dessas camadas mais profundas<sup>1</sup> poderiam ser repetidos em uma coreografia. (Em sua prática de ensino, Mary Whitehouse costumava propor movimentações corporais abrangendo qualidades diferenciadas de movimento - por exemplo, movimentos fortes e suaves, nível alto e baixo, trabalhando com oposições e gradações - intercalando estímulos externos com auto direcionados). Considerando seus novos estudos sobre movimento e improvisação em dança, Mary resolveu tirar o termo Dança para nomear seu trabalho de Movement in Depth (Movimento em profundidade). | ||
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+ | Quando relacionava o movimento com a [http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagina%C3%A7%C3%A3o_Ativa/''Imaginação Ativa''] de Jung<sup>2</sup>, destacava o processo de traduzir o fluxo do material inconsciente em forma física. Ao inconsciente, trazia a qualidade de profundo, contrastando as idéias de mover e ser movido. É nessa relação que a palavra “autêntico” surgirá posteriormente, com Janet Adler, para classificar um gesto. Por movimentos autênticos, nesta fase, entendia-se os movimentos que não são julgados, criticados, racionalizados. Movimentos que não seguem valores como: “é assim que devo mover, para ser gracioso, bonito?”. Nas palavras de Mary Whitehouse: | ||
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+ | Elas não saem dançando simplesmente“. <sup>3</sup>(FRANTZ,1972, p.20)</big> | ||
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+ | Mary experimentou alguns caminhos para explicar as idéias de impulso, e autêntico; e sua maior base teórica foi sua experiência pessoal em dança e psicoterapia em diálogo com o pensamento Junguiano da época. Ao se escutar o impulso, o burilamento da pergunta “o que me faz mover”, pesquisava as nuances do dançar, do não mover, e os sentidos para a nomeação de “dance around” (a tradução mais aproximada seria “dançar à toa”). | ||
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+ | Janet Adler, Dança Terapeuta, Psicanalista, Ph.D em Estudos Místicos, estudou com Mary Whitehouse e fundou o Instituto Mary Starks Whitehouse, a primeira escola devota em estudar e praticar o Movimento Autêntico – nome que foi dado por ela. No seu entendimento, foi John Martin, um renomado crítico de dança, o primeiro a usar o termo “movimento autêntico” falando de danças de Mary Wigman em 1933. Segundo Martin, | ||
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+ | [[Janet Adler]] desenvolveu o trabalho levando em conta as questões que Mary Whitehouse vinha pesquisando, como a relação entre impulso e forma e o movimento realizado de olhos fechados, acreditando que o ''não uso'' da visão propiciaria um mergulho e uma expansão da consciência de experiências conscientes e inconscientes. Em uma entrevista, falando de como se sentia fisicamente nas aulas com Mary Whitehouse, Janet descreveu: “O impulso para mover parecia estar muito distante do – do centro de mim. No minuto em que eu fechei os olhos era como se estivesse voltando para casa. Eu reconheci a mim mesmo. E Mary, como minha testemunha, viu quando eu me vi. Meu movimento era a expressão de um material disforme, inconsciente.”<sup>5</sup> (Haze and Stromsted, 1994, p.115) | ||
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+ | Em seu livro “Offering from the Conscious Body – The Discipline of Authentic Movement”, no capítulo “Individual Body”, Janet Adler enfoca a questão do Movedor em contato com seu corpo. Sensações levam a mover ou a conter o movimento. Assim: “Quando você adentrar mais uma vez no espaço vazio, continue a trazer consciência para o que seu corpo está fazendo, e agora inclua a consciência de suas sensações enquanto você está se movimentando... o que você ouve, vê com seus olhos fechados, cheira, sente em sua pele, ou experiência cinestesicamente enquanto se move.” <sup>6</sup>(ADLER, 2002, p. 21). | ||
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+ | Segundo Soraya Jorge, em seu texto de apresentação sobre o Movimento Autêntico, surgiu em uma época de grande difusão das práticas Somáticas. O termo ''Somatics'', foi dado por Thomas Hanna em 1977 para conceituar o campo que estuda o ''SOMA'', ou corpo. Corpo percebido pelo ponto de vista da primeira pessoa, ou seja, o observador que observa de dentro, não de fora. A terceira pessoa seria o observador externo e sua percepção diferente. Segundo ele: | ||
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Atualmente, [[Soraya Jorge]], formada na Califórnia por Janet Adler, principal replicadora do método no Brasil, coordena o Centro Internacional do Movimento Autêntico (C.I.M.A.). O CIMA oferece o Programa de Aprendizagem do Movimento Autêntico (M.A) - PAMA, que acontece em parceria entre Rio de Janeiro, São Paulo e Viena. O programa inicia-se em agosto de 2011 em Lisboa e é organizado por [[Soraya Jorge]], [[Guto Macedo]], Isaias Costa e Clarissa Costa. | Atualmente, [[Soraya Jorge]], formada na Califórnia por Janet Adler, principal replicadora do método no Brasil, coordena o Centro Internacional do Movimento Autêntico (C.I.M.A.). O CIMA oferece o Programa de Aprendizagem do Movimento Autêntico (M.A) - PAMA, que acontece em parceria entre Rio de Janeiro, São Paulo e Viena. O programa inicia-se em agosto de 2011 em Lisboa e é organizado por [[Soraya Jorge]], [[Guto Macedo]], Isaias Costa e Clarissa Costa. | ||
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+ | <small>3. No original: “When the image is truly connected in certain people, then the movement is authentic. There is no padding of movement just for the sake of moving. There is an ability to stand the inner tension until the next image moves them. They don’t simply dance around.” </small> | ||
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+ | <small>4. No original: “This class of dance is in effect the modern dance in its purest manifestation. The basis of each composition in this medium lies in a vision of something in human experience which touches the sublime. Its externalization in some form which can be apprehended by others comes not by intellectual planning but by “feeling through” with a sensitive body. The first result of such creation is the appearance of certain entirely authentic movement”. </small> | ||
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+ | <small>5. No original: “The impulse to move felt very far in – in the center of me. The minute I closed my eyes it was like coming home. I recognized myself. And Mary, as my witness, saw me seeing myself. My movement was an expression of unformed, unconscious material.”</small> | ||
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+ | <small>6. No original: “As you step once again into the emptiness, continue to bring awareness what your body is doing, and now include your awareness of sensation while you are moving. …..what you hear, see with your eyes closed, smell, feel on your skin, or experience kinesthetically as you move.”</small> | ||
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- | A pessoa que move (Movedor) fecha os olhos para fazer um mapeamento de seus próprios impulsos e decidir se quer externalizá-los ou não. E a Testemunha, de olhos abertos, observa o Movedor e o que acontece consigo próprio na presença desse outro. Se, no processo de observar o outro, aparece um julgamento, este julgamento só dirá respeito àquele que vê, e não ao outro observado. Trata-se, portanto de, ao ver o outro, a pessoa começar a se ver. Esta relação sem julgamento, ou melhor, de apropriação de pensamentos, sensações, e imaginação irá fazer surgir um terceiro componente: a Testemunha Interna<sup> | + | A pessoa que move (Movedor) fecha os olhos para fazer um mapeamento de seus próprios impulsos e decidir se quer externalizá-los ou não. E a Testemunha, de olhos abertos, observa o Movedor e o que acontece consigo próprio na presença desse outro. Se, no processo de observar o outro, aparece um julgamento, este julgamento só dirá respeito àquele que vê, e não ao outro observado. Trata-se, portanto de, ao ver o outro, a pessoa começar a se ver. Esta relação sem julgamento, ou melhor, de apropriação de pensamentos, sensações, e imaginação irá fazer surgir um terceiro componente: a Testemunha Interna<sup>7</sup> - aquela que acolhe, e não julga. |
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- | <small> | + | <small>7. A Testemunha Interna está sendo internalizada pelo Movedor ao longo do trabalho. Já a Testemunha continua seu processo de ver a si e ao outro, desenvolvendo também a sua Testemunha Interna. Conquistando assim novos espaços para propiciar um campo /atmosfera mais intensivo, possível aos vários, nesta relação: Movedor / Testemunha.</small> |
== Esta é uma oportunidade para:== | == Esta é uma oportunidade para:== | ||
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*Fortalecer o processo criativo / habilidade de improvisação | *Fortalecer o processo criativo / habilidade de improvisação | ||
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A estrutura do Movimento Autêntico é: uma (ou várias) pessoa(s) que move(m) e outra(s) que testemunha(m), atentando para a necessidade de haver pelo menos um Movedor e uma Testemunha. A um efeito sonoro, o movedor fecha os olhos e adentra o "espaço", que pode ser uma roda de pessoas no caso do trabalho em grupo, ou uma limitação física, por exemplo as paredes de uma sala. O importante é que esse espaço é estabelecido e apreciado pelos participantes antes de se iniciar a prática. A orientação dada pelo facilitador ao movedor é deixar que o movimento surja, não forçar um movimento, não que isso seja proíbido, o método é bastante libertário nesse aspecto, não há proíbido. Mas ao sermos surpreendidos pelo nosso próprio movimento, inesperado, não programado, conseguimos sair de padrões corporais já arraigados. É no inusitado, no não-mecânico, que temos maior possibilidade de auto-conhecimento. Nas palavras de Soraya: "Estamos em círculo e antes de iniciarmos ou fecharmos o movimento, testemunhamos o espaço vazio. O círculo se fortalece, com cada indivíduo testemunhando o círculo “vazio”.(idem) | A estrutura do Movimento Autêntico é: uma (ou várias) pessoa(s) que move(m) e outra(s) que testemunha(m), atentando para a necessidade de haver pelo menos um Movedor e uma Testemunha. A um efeito sonoro, o movedor fecha os olhos e adentra o "espaço", que pode ser uma roda de pessoas no caso do trabalho em grupo, ou uma limitação física, por exemplo as paredes de uma sala. O importante é que esse espaço é estabelecido e apreciado pelos participantes antes de se iniciar a prática. A orientação dada pelo facilitador ao movedor é deixar que o movimento surja, não forçar um movimento, não que isso seja proíbido, o método é bastante libertário nesse aspecto, não há proíbido. Mas ao sermos surpreendidos pelo nosso próprio movimento, inesperado, não programado, conseguimos sair de padrões corporais já arraigados. É no inusitado, no não-mecânico, que temos maior possibilidade de auto-conhecimento. Nas palavras de Soraya: "Estamos em círculo e antes de iniciarmos ou fecharmos o movimento, testemunhamos o espaço vazio. O círculo se fortalece, com cada indivíduo testemunhando o círculo “vazio”.(idem) | ||
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Edição de 23h28min de 16 de outubro de 2011
"O movimento autêntico é uma abordagem corporal que tem como objetivo desenvolver
uma escuta apurada dos impulsos corporais, explorando uma interrogação: o que me leva a
mover?. Pode ser um pensamento, uma sensação, um desejo, um som, uma memória, uma voz interna
ou externa. Seu objetivo é propiciar um contato com estes impulsos para que, conscientemente,
se possa expressá-los ou contê-los. À medida que a pessoa vai escutando sua própria corrente
de movimento interno e constante contato com externo, vai se apropriando melhor das relações
que estabelece consigo e com o mundo, alimentando o fluxo vital que percorre seu corpo e
estabelecendo novas e mutantes relações entre o dentro e fora, seu corpo e o mundo, seu corpo
e outros corpos."(Soraya Jorge, introdutora da prática no Brasil)
Tabela de conteúdo |
Histórico:
Nos anos 50, nos Estados Unidos, Mary Whitehouse, bailarina moderna, professora de dança, foi influenciada por duas grandes tendências. Por um lado, em seu estudo intensivo na Escola Mary Wigman em Dresdem, na Alemanha, aprendeu que para ser bailarina era necessário “ter algo a dizer” e que a base do treinamento era improvisação, pesquisa bastante revolucionária para época. E, por outro lado, sua experiência pessoal em análise Junguiana lhe trouxe cada vez mais uma curiosidade pelos “simbolismos” e conteúdos semânticos das obras.
No início dos anos 60, seu interesse por dança estava cada vez mais distante e o processo de realizar a dança é que se tornou algo instigante. Para ela, a dança era uma forma de expressão profunda, de comunicação e insights. No entanto, como a compreensão que se tinha de dança na época era baseada em ensaio e repetição; ela não via como os movimentos dessas camadas mais profundas1 poderiam ser repetidos em uma coreografia. (Em sua prática de ensino, Mary Whitehouse costumava propor movimentações corporais abrangendo qualidades diferenciadas de movimento - por exemplo, movimentos fortes e suaves, nível alto e baixo, trabalhando com oposições e gradações - intercalando estímulos externos com auto direcionados). Considerando seus novos estudos sobre movimento e improvisação em dança, Mary resolveu tirar o termo Dança para nomear seu trabalho de Movement in Depth (Movimento em profundidade).
Quando relacionava o movimento com a Imaginação Ativa de Jung2, destacava o processo de traduzir o fluxo do material inconsciente em forma física. Ao inconsciente, trazia a qualidade de profundo, contrastando as idéias de mover e ser movido. É nessa relação que a palavra “autêntico” surgirá posteriormente, com Janet Adler, para classificar um gesto. Por movimentos autênticos, nesta fase, entendia-se os movimentos que não são julgados, criticados, racionalizados. Movimentos que não seguem valores como: “é assim que devo mover, para ser gracioso, bonito?”. Nas palavras de Mary Whitehouse:
“Quando a imagem está conectada verdadeiramente em determinadas pessoas, então o movimento é autêntico. Não há movimentos supérfluos, feitos apenas por ter que se mover. Existe uma habilidade de sustentar a tensão interna até que a próxima imagem as mova. Elas não saem dançando simplesmente“. 3(FRANTZ,1972, p.20)
Mary experimentou alguns caminhos para explicar as idéias de impulso, e autêntico; e sua maior base teórica foi sua experiência pessoal em dança e psicoterapia em diálogo com o pensamento Junguiano da época. Ao se escutar o impulso, o burilamento da pergunta “o que me faz mover”, pesquisava as nuances do dançar, do não mover, e os sentidos para a nomeação de “dance around” (a tradução mais aproximada seria “dançar à toa”).
Janet Adler, Dança Terapeuta, Psicanalista, Ph.D em Estudos Místicos, estudou com Mary Whitehouse e fundou o Instituto Mary Starks Whitehouse, a primeira escola devota em estudar e praticar o Movimento Autêntico – nome que foi dado por ela. No seu entendimento, foi John Martin, um renomado crítico de dança, o primeiro a usar o termo “movimento autêntico” falando de danças de Mary Wigman em 1933. Segundo Martin,
“Com efeito, essa aula de dança é a dança moderna em sua manifestação mais pura. A base de cada composição neste meio encontra-se na visão de algo na experiência humana que toca o sublime. Sua externalização em alguma forma que possa ser apreendida por outros vem não por um planejamento intelectual, mas por “sentir através” com um corpo sensível. O primeiro resultado de tal criação é o aparecimento de certo movimento inteiramente autêntico.”4 (MARTIN In ADLER, 2002, p.15).
Janet Adler desenvolveu o trabalho levando em conta as questões que Mary Whitehouse vinha pesquisando, como a relação entre impulso e forma e o movimento realizado de olhos fechados, acreditando que o não uso da visão propiciaria um mergulho e uma expansão da consciência de experiências conscientes e inconscientes. Em uma entrevista, falando de como se sentia fisicamente nas aulas com Mary Whitehouse, Janet descreveu: “O impulso para mover parecia estar muito distante do – do centro de mim. No minuto em que eu fechei os olhos era como se estivesse voltando para casa. Eu reconheci a mim mesmo. E Mary, como minha testemunha, viu quando eu me vi. Meu movimento era a expressão de um material disforme, inconsciente.”5 (Haze and Stromsted, 1994, p.115)
Em seu livro “Offering from the Conscious Body – The Discipline of Authentic Movement”, no capítulo “Individual Body”, Janet Adler enfoca a questão do Movedor em contato com seu corpo. Sensações levam a mover ou a conter o movimento. Assim: “Quando você adentrar mais uma vez no espaço vazio, continue a trazer consciência para o que seu corpo está fazendo, e agora inclua a consciência de suas sensações enquanto você está se movimentando... o que você ouve, vê com seus olhos fechados, cheira, sente em sua pele, ou experiência cinestesicamente enquanto se move.” 6(ADLER, 2002, p. 21).
Segundo Soraya Jorge, em seu texto de apresentação sobre o Movimento Autêntico, surgiu em uma época de grande difusão das práticas Somáticas. O termo Somatics, foi dado por Thomas Hanna em 1977 para conceituar o campo que estuda o SOMA, ou corpo. Corpo percebido pelo ponto de vista da primeira pessoa, ou seja, o observador que observa de dentro, não de fora. A terceira pessoa seria o observador externo e sua percepção diferente. Segundo ele:
“Somática é o campo que estuda o soma: a saber, o corpo como é percebido de dentro, por uma percepção da primeira pessoa. Quando o ser humano é observado de fora – isto é, a partir de um ponto de vista de terceira pessoa- o fenômeno de um corpo humano é percebido. Mas, quando este mesmo ser humano é observado a partir de um ponto de vista de primeira pessoa, de seus próprios sentidos proprioceptivos, um fenômeno categoricamente diferente é percebido: o soma humano.”
Janet Adler é a pessoa responsável pela sistematização de uma metodologia na prática de Movimento Autêntico, nome dado por ela. Em 1969, com 28 anos, Janet Adler teve a oportunidade de experenciar o trabalho de Mary Whitehouse. Dança Terapeuta, Ph.D em Estudos Místicos, fundou o Instituto Mary Starks Whitehouse, a primeira escola focada em estudar e praticar o Movimento Autêntico. Nessa mesma época Janet Adler conheceu o trabalho de John Weir, estudioso da Psicologia da linhagem de Freud, Wilhelm Reich, Carl Roger. Um mestre nos estudos somáticos, em relações interpessoais e psicodinâmicas grupais. O centro do aprendizado de Janet com John foi a consciência da testemunha e com Mary, a consciência do movedor.
Atualmente, Soraya Jorge, formada na Califórnia por Janet Adler, principal replicadora do método no Brasil, coordena o Centro Internacional do Movimento Autêntico (C.I.M.A.). O CIMA oferece o Programa de Aprendizagem do Movimento Autêntico (M.A) - PAMA, que acontece em parceria entre Rio de Janeiro, São Paulo e Viena. O programa inicia-se em agosto de 2011 em Lisboa e é organizado por Soraya Jorge, Guto Macedo, Isaias Costa e Clarissa Costa.
1. Por camadas mais profundas, queria dizer mover “directly from within”.
2. “Em 1916 Jung escreveu um artigo onde sugeria o movimento corporal expressivo como um dos muitos caminhos para dar forma ao inconsciente. Na descrição da técnica que veio mais tarde chamar de Imaginação Ativa, ele aponta que esta pode ser feita através da dança, pintura, desenho, trabalho com barro, areia e qualquer outro meio artístico (...) Imaginação Ativa em movimento envolve a relação entre duas pessoas: um movedor e uma testemunha. É nessa relação que o movedor começa a internalizar a função reflexiva da testemunha e se abrir para seu fluxo inconsciente de sensações e imagens corporais, ao mesmo tempo trazendo suas experiências para a consciência.” (In CHODOROW, 1991, p. 1. Tradução nossa.)
3. No original: “When the image is truly connected in certain people, then the movement is authentic. There is no padding of movement just for the sake of moving. There is an ability to stand the inner tension until the next image moves them. They don’t simply dance around.”
4. No original: “This class of dance is in effect the modern dance in its purest manifestation. The basis of each composition in this medium lies in a vision of something in human experience which touches the sublime. Its externalization in some form which can be apprehended by others comes not by intellectual planning but by “feeling through” with a sensitive body. The first result of such creation is the appearance of certain entirely authentic movement”.
5. No original: “The impulse to move felt very far in – in the center of me. The minute I closed my eyes it was like coming home. I recognized myself. And Mary, as my witness, saw me seeing myself. My movement was an expression of unformed, unconscious material.”
6. No original: “As you step once again into the emptiness, continue to bring awareness what your body is doing, and now include your awareness of sensation while you are moving. …..what you hear, see with your eyes closed, smell, feel on your skin, or experience kinesthetically as you move.”
A arte de mover e ser movido:
O Movimento Autêntico explora a relação entre a pessoa que move (Movedor) e a pessoa que testemunha (Witness). Explora a relação de ver e ser visto. No processo de ser visto pelo outro, a pessoa começa a SE ver. Um terceiro componente surge nessa relação – a testemunha interna (Internal Witness/ Testemunha Interna) – ver o outro como ele é, me ver como sou. Com os olhos fechados, a pessoa que move, escuta seu interior e descobre o movimento que surge de uma motivação oculta, de um impulso celular.
A pessoa que move (Movedor) fecha os olhos para fazer um mapeamento de seus próprios impulsos e decidir se quer externalizá-los ou não. E a Testemunha, de olhos abertos, observa o Movedor e o que acontece consigo próprio na presença desse outro. Se, no processo de observar o outro, aparece um julgamento, este julgamento só dirá respeito àquele que vê, e não ao outro observado. Trata-se, portanto de, ao ver o outro, a pessoa começar a se ver. Esta relação sem julgamento, ou melhor, de apropriação de pensamentos, sensações, e imaginação irá fazer surgir um terceiro componente: a Testemunha Interna7 - aquela que acolhe, e não julga.
Olhamo-nos para enfim poder ver, sem o olhar, entre as linhas do movimento. Porque mais do que as linhas da dança, o que respiro no intervalo preenche de vazio todos os cantos. Falamos, dançamos do que nos atormenta e que é nossa fonte de vida. Vibramos na dor de nascer cada partícula de tempo, no grito da pressão sanguínea, no abismo de nada saber. Movemos, testemunhamos, não há diferença quando então, vivem-se as duas funções como uma contendo a outra. Vemos no outro o que está em nós. Também é de nós o que o mundo fala. A Testemunha Interna se presentifica.
Experiências de espaços vazios, silêncios, barulhos internos e externos ao se propor o não direcionamento do movimento; junto a isso, a proposta de fechar os olhos, para que se acalmem os excessos visuais e se possa perceber outros sentidos, cria-se “vacúolos de solidão”. Fechar os olhos e ouvir, a si e a todos que se encontram juntos. Outros que já estão em mim, que já são um “mim”.
A Testemunha convida o Movedor a fechar os olhos e a mover, pausar. Fechá-los não para brincar de cego, mas para ver, para acalmar os julgamentos da visão, testemunhando do quanto de diálogo interno está povoado, já que os olhos, quando em ação, tomam lugar dessa percepção. Respira-se tempo, pois esta estrutura favorece outros estados de consciência. Um tipo de solidão, porque não se atém ao forte sentido dos olhos. Um certo vazio, que ao ser vivido, atravessado, movido, provoca a criação de muitas outras maneiras de existência.
7. A Testemunha Interna está sendo internalizada pelo Movedor ao longo do trabalho. Já a Testemunha continua seu processo de ver a si e ao outro, desenvolvendo também a sua Testemunha Interna. Conquistando assim novos espaços para propiciar um campo /atmosfera mais intensivo, possível aos vários, nesta relação: Movedor / Testemunha.
Esta é uma oportunidade para:
- Ver e ser visto;
- Aumentar a capacidade de sentir e expressar;
- Adquirir consciência de projeções e julgamentos;
- Aprender através de nossos corpos e do espelho do outro;
- Fortalecer o processo criativo / habilidade de improvisação
A Prática 8:
A estrutura do Movimento Autêntico é: uma (ou várias) pessoa(s) que move(m) e outra(s) que testemunha(m), atentando para a necessidade de haver pelo menos um Movedor e uma Testemunha. A um efeito sonoro, o movedor fecha os olhos e adentra o "espaço", que pode ser uma roda de pessoas no caso do trabalho em grupo, ou uma limitação física, por exemplo as paredes de uma sala. O importante é que esse espaço é estabelecido e apreciado pelos participantes antes de se iniciar a prática. A orientação dada pelo facilitador ao movedor é deixar que o movimento surja, não forçar um movimento, não que isso seja proíbido, o método é bastante libertário nesse aspecto, não há proíbido. Mas ao sermos surpreendidos pelo nosso próprio movimento, inesperado, não programado, conseguimos sair de padrões corporais já arraigados. É no inusitado, no não-mecânico, que temos maior possibilidade de auto-conhecimento. Nas palavras de Soraya: "Estamos em círculo e antes de iniciarmos ou fecharmos o movimento, testemunhamos o espaço vazio. O círculo se fortalece, com cada indivíduo testemunhando o círculo “vazio”.(idem)
A testemunha nada mais é que um movedor que observa. São lugares distintos, o de movedor e o de testemunha, mas nenhum deles é estático. A testemunha, que não está no "espaço" de movimento, observa sem julgar o movedor. Nesse exercício de testemunhar, com a premissa do não-julgamento, a testemunha afasta de si esteriótipos e preconceitos. Abre assim, um diálogo consigo mesmo. É testemunha de si também.
Os lugares de testemunha e movedor, eventualmente, podem ser alternados numa mesma sessão de movimento autêntico. Dessa forma é possível ter uma experiência ainda mais rica de auto-conhecimento e de relação com o outro. Passado um tempo, que normalmente é também pré-estabelecido entre os participantes (movedor, testemunha e facilitador) no início do trabalho, um outro sinal
sonoro indica o final da sessão. A prática pode acontecer em algumas sessões curtas de tempo, ou num tempo mais estendido. Ao final, abre-se espaço para o testemunho verbal. Participantes podem colocar observações e sensações, seguindo a mesma lógica do não-julgamento.
8. Dinâmica descrita com base na experiência prática com Soraya Jorge.
Centros de Pesquisa e Desenvolvimento em Movimento Autêntico:
CIMA
O CENTRO INTERNACIONAL DO MOVIMENTO AUTÊNTICO é um espaço onde se concentram as pesquisas, práticas e estudos do Movimento Autêntico, do Contato Autêntico e áreas afins. Criado por Soraya Jorge e Guto Macedo, (SoGu), o C.I.M.A se estende através da participação de alunos, criadores, artistas, psicoterapeutas, educadores e pessoas que se interessam por essa abordagem corporal, o que enriquece e dá suporte as atividades e eventos do Calendário SoGu.
A saúde, a arte e a educação são os pilares de nossas reflexões alimentadas pela percepção de si e suas relações com o mundo, com o planeta, tendo como base o movimento corporal, a improvisação, a dança, a autenticidade e esse ser único e coletivo. A filosofia, literatura, anatomia, psicologia, cinesiologia, física quântica são campos que aprofundam as práticas, tornando-as, cada vez mais, interconectadas. Compartilhamento que estende a poética de sermos movidos, pensados, dançados. (SOGU)
PAMA
O Programa de Aprendizagem de Movimento Autêntico (P.A.M.A) é uma atividade do Centro Internacional de Movimento Autêntico (C.I.M.A.), coordenado por Soraya Jorge e Guto Macedo e desenvolvido em parceria com o Therapiezentrum Gersthof de Viena. Consiste em facilitar percursos pessoais através de práticas individuais e coletivas de Movimento Autêntico e suas relações com outros campos do conhecimento.
- Os participantes constroem sua trajetória por meio de
- Entrevista inicial;
- Oficinas;
- Encontros individuais, em duplas e em trios;
- Conferências e palestras com convidados especiais;
- Exercício da escrita do movimento;
- Estudos dirigidos para a reflexão da experiência.
- Campo Central de Pesquisa
- Movimento Autêntico – (Soraya Jorge e Guto Macedo- Brasil e Viena ; Isaias Costa e Clarissa Costa – Viena e Brasil).
- Campos Relacionais
- Contato Autêntico – (Movimento Autêntico e Contato Improvisação - Guto Macedo);
- Princípios da Conscientização do Movimento/Escola Angel Vianna - (Soraya Jorge);
- Elementos da Psicologia. Perspectiva Clínica;
- Perspectiva da Saúde;
- Perspectiva das Artes – Performance, Escrituras Poéticas, Vídeo, Fotografia.
Aos praticantes interessados em incorporar o Movimento Autêntico as suas práticas profissionais, o PAMA oferece supervisão direcionada. É importante ressaltar que apesar de ser um programa, o percurso é singular. O tempo estimado para a conclusão do processo varia de dois a três anos. Mas como a trajetória é pessoal, e reflexões serão realizadas periodicamente, o tempo de aprendizagem poderá ser modificado. Ao final do curso um certificado é emitido pelo Therapiezentrum Gersthof de Viena, assinado pela parceria Brasil/ Viena.
Referências:
- JORGE, Soraya. Movimento Autêntico: a arte de mover e ser movido. Monografia apresentada na FAV- Faculdade e Escola Angel Vianna. Rio de Janeiro: 2007.