Tango
De Wikidanca
Há controvérsias sobre a origem da palavra (ela surgiu antes do próprio baile), sua data e local de nascimento, devido ao seu caráter evolutivo, mas a maioria dos estudiosos concorda com a década de 1880 como data oficial de início do tango em Buenos Aires.
A palavra “tango” já era utilizada pelos negros uruguaios em bailes parecidos com o candombe, uma forma de dança na qual o casal coordenava os movimentos marcados mais pela percussão do que pela melodia. Representava um momento de união, alegria e confraternização. O cenário peculiar daquela época determinou algumas características, marcando a história do tango.
No final do século XIX, Buenos Aires era uma cidade em expansão, com um enorme crescimento demográfico, incrementado pela imigração de espanhóis, italianos, alemãs, húngaros, árabes e judeus que formavam uma grande massa obreira, pobre, com escassas possibilidades de comunicação devido à barreira lingüística.
Houve momentos em que 50% da população de Buenos Aires era estrangeira, além dos índios e gauchos (homens do campo que usam poncho e tomam chimarrão até hoje) procedentes do interior do país. Estes fatores colaboraram para formar uma população na qual 70% era composta por homens, ávidos pela promessa de fortuna e 25% de negros que dançavam ao ritmo do candombe.
No início, o tango era praticado em bordéis (administrados por mulheres imigrantes) e prostíbulos ao som de violino, flauta e violão. Na ausência desse instrumento, um habilidoso soprador utilizava um pente com papel de enrolar cigarro para simular o som das cordas de um violão. O famoso bandoneón surgiu somente em 1900, substituindo a flauta.
O baile era corporal, provocador, com movimentos explícitos e letras obscenas: Dos sin sacarla (“Duas sem tirar”), Qué polvo con tanto viento (“Gozo com tanto vento”), El Choclo (“A espiga de milho”, no sentido metafórico). Ao longo do tempo, para atrair e entreter os clientes, os bordéis contratavam trios ou pequenos grupos de música com a participação fervorosa do público. O êxito destes espetáculos tornou-os mais freqüentes. Dizem que, a partir deste momento, nasceu o tango como conhecemos atualmente. Algum tempo depois, eram organizados bailes nas academias formadas apenas por homens. A mulher acrescentou vida, beleza e sensualidade à dança. A complexidade de sua história e origem tornaram o tango uma dança rica, envolvente, completa. É fundamental perceber o jogo que paira no ar durante o baile: a mulher seduz e o homem conduz. Ele cobiça, sustenta o olhar enquanto ela desenvolve os movimentos, rompendo o equilíbrio para amparar-se em seu peito. Vale a pena ensaiar alguns passos com mestres e senhores portenhos, sempre à disposição das belas moçoilas argentinas e estrangeiras nos bailes de Almagro e Palermo, dentre outros também tradicionais.
A dança, assim como as demais manifestações artísticas, é uma via de expressão capaz de representar diferentes idéias. A cada novo tipo de dança, perpetuam-se valores que fazem de um determinado estilo dançante sinônimo de determinados sentimentos. Na Argentina, o tango tornou-se sinônimo de paixão, melancolia e tristeza. Conforme sentencia uma famosa expressão “o tango é um pensamento triste que se pode dançar”. No entanto, ao contrário do que pensamos, o tango não “nasceu” triste e argentino.
Ao longo do século XIX, a jovem nação argentina incentivou a entrada de imigrantes europeus no país para que os mesmos pudessem ampliar a mão-de-obra disponível e, conforme relatos da época, “refinar” a cultura pelo contato com espanhóis, franceses, poloneses e italianos. Dos contingentes trazidos para ocupar novos postos de trabalho na Argentina, formou-se uma imensa população masculina que deixava a família para tentar a sorte em terras estrangeiras. Em pouco tempo, o excedente populacional masculino possibilitou a abertura de diversos prostíbulos no país.
De acordo com recentes pesquisas, no final do século XIX, só a capital Buenos Aires contava com mais de 200 casas de prostituição. A procura pelas prostitutas era tão grande que os homens faziam fila à espera de fácil prazer sexual. Foi quando, a grande circulação de pessoas nas casas de prostituição argentinas deu espaço para a encenação de números musicais enquanto os clientes esperavam a sua vez. Nesse instante, apareciam grupos que intercambiavam suas distintas experiências musicais. A polca européia, a havaneira cubana, o candombe uruguaio e a milonga espanhola firmaram o nascimento do tango argentino.
Em seus primeiros anos, o tango era formado por um trio musical executante de ritmos mais acelerados e os passos de dança tinham muita sensualidade. Só mais tarde que os tangos começaram a ganhar suas primeiras letras. Fazendo jus ao seu local de origem, as primeiras letras descreviam situações libidinosas sobre os prostíbulos e as meretrizes. Por isso, durante algum tempo, o tango era sinônimo de imoralidade. As pessoas de “boa índole” tinham verdadeira aversão à prática desse tipo de música dançante. No entanto, os imigrantes que voltavam para Europa tinham popularizado o estilo, principalmente na cidade de Paris.
Os diversos ataques contra o tango perderam força mediante a popularização e as transformações sofridas com a chegada do ritmo à Europa. Atacado ainda por religiosos, o tango chegou a ser dançado para o papa Pio X, para que o mesmo julgasse suas características. Aprovado por Vossa Santidade e influenciado pela escola européia, o tango começou a ganhar um ritmo mais lento e passos mais cadenciados. No início do século XX, as letras começam a incorporar temáticas para fora do prostíbulo. Tempos depois veio a ser considerado uma expressão típica artística de “todos” argentinos.
Saindo dos prostíbulos para os salões de festa, o tango alcançou sua máxima popularização com o estrondoso sucesso do cantor Carlos Gardel. Sendo conhecido como uma dos mais famosos cantores de tango, Gardel mostrou sua música nos palcos e internacionalizou sua arte com a gravação do filme “El Dia Que Me Quieras”. Ainda hoje, o tango é uma das expressões artísticas mais conhecidas na Argentina e seus espetáculos atraem turistas de todo o mundo.