Sagração da Primavera
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Tabela de conteúdo |
A Adoração da Terra - 1º Ato
- Introdução;
- Os augures da primavera;
- Dança das adolescentes;
- Rapto;
- Rondas primaveris;
- Jogos das Cidades Rivais;
- Cortejo do sacerdote;
- O Sacerdote;
- Dança da Terra.
O Sacrifício - 2º Acto
- Introdução;
- Círculos misteriosos das Adolescentes;
- Glorificação da Eleita;
- Evocação dos antepassados;
- Ritual dos antepassados;
- Dança sagrada (A Eleita).
Originalmente denominado Le Sacre du Printemps é uma peça dividida em 2 atos. Considerada o marco do início da modernidade na história da arte. Estreada em 29 de maio de 1913 causou grande repercussão e revolta no público do Théâtre des Champs-Élysées em Paris. Se, de acordo com Arnold Hauser, a história do século XX se inicia na segunda década, em que somente com a quebra da bolsa de Nova Iorque o clima de prosperidade econômica é substituído pelo sentimento de uma catástrofe iminente. Então, na época da Sagração o público de arte ainda contava com certa conservação de valores. Neste sentido, ao tematizar um ritual profano e uma ruptura estética com o ballet e a música clássica a Sagração reuniu todos os elementos para causar grande impacto e ser um marco na história da arte.
A iniciativa de Serguei Diaghilev ao reunir Vaslav Nijinsky com seus movimentos, Igor Stanislavsky com sua partitura musical e Nicholas Roerich com sua sensibilidade arqueológica foi fundamental. Rodeada de controvérsias acerca de sua autoria e sendo, na maioria das referências, apontada como de autoria isolada de Igor Stravinsky, é necessário considerar que um grande acontecimento artístico se funda na elaboração coletiva. Se não fosse Nijinsky com seu diálogo aberto com o ballet clássico, a peça não seria a mesma, se não fosse Roerich com sua inventividade inspirada nos seus estudos aqueológicos a Sagração da Primavera não seria o que foi.
Baseada na história de um ritual primitivo, a peça conta um universo em que uma jovem virgem é sacrifícada para o Deus do Sol. O sacrifício consiste em dançar até a morte, compõe a comemoração da início da primavera e serve para a garantia de boas colheitas para a tribo. Deste modo, introduz um tema que até então nunca havia sido abordado pelas peças de ballet precedentes. Algo que não condizia com o ballet etéreo e sublime foi exposto introduzindo inclusive uma filosofia perante a vida completamente distinta daquela próxima da moral católica. A morte como surgimento da vida, ou encarada como um viver renovado foi um questionamento novo e escancarado como possível no palco de 1913.
Uma aproximação possível com a filosofia de Friedrich Nietzsche se situa em sua oposição ao cristianismo. Discute que a criação de um Deus exterior ao homem é uma invenção do homem para sua própria dominação. A oposição entre vida e morte em que a vida é valorizada em detrimento da morte também é questionável na perspectiva de Nietzsche em que o tempo é uma recorrência sem repetições, um eterno retorno.
Os aspectos estéticos da música que inova com os elementos rítmicos em primeiro plano, com a utilização de instrumentos advindos de outras fontes além da orquestra clássica e com a variação inconstante entre momentos de tranquilidade e momentos de terror, ilustram o momento da história que precedeu a Primeira Guerra Mundial e mostra a primeira fagulha de um incêncio que estava por vir. O artísta que vive com a sensibilidade apurada em seu presente têm o potencial de um oráculo ao ser capaz de trazer à tona outras possibilidades.
Stravinsky expõe em seu livro, baseado no curso que ofereceu na Universidade de Harvard em 1939, que “a novidade da Sagração consistia não na escuta, ou na orquestração, ou mesmo no aparato técnico, mas em sua realidade musical”. A seguir, afirma que a arte só tem possibilidade de se desenvolver livremente em momentos de equilíbrio, que “a arte é, por essência, contrutiva (…) nunca rende ao caos sem ver ameaçada suas obras vivas, sua própria existência”. (STRAVINSKY, 1996: 21). Logo após, distingue revolução de inovação, e sobre este afirma que apenas quando apresentada de forma excessiva é compreendida pelos contemporâneos.
Ao expor sobre a composição musical escreve: “O próprio ato de colocar a minha obra no papel, ou, como dizemos, de trabalhar a massa, é para mim inseparável do prazer da criação. No que me diz respeito, não consigo separar o esforço espiritual do esforço físico e fisiológico, eles me parecem no mesmo nível, e não se apresentam numa hierarquia” (STRAVINSKY, 1996: 54). Será possível relacionar composição coreográfica à composição musical na Sagração da Primavera?
Ao filosofar sobre a dança da Sagração acabamos nos remetendo aos universos cosmológicos de culturas pouco estudadas, como é dançar no campo do sagrado? como é dançar fora do âmbito do espetáculo? Contudo, no caso da Sagração de Nijinsky é possível perceber um casamento entre movimento e música, que da mesma forma que Stravinsky inaugura não uma transformação radical de valores, mas uma inovação dentro do campo das leis fundamentais da dança e da música.
Baseado nos estudos de Jacques-Dalcroze, Nijinsky não trabalha exclusivamente elementos de um ritual primitivo, mas conjuga uma série de movimentos que expõem uma inversão dos padrões de movimentos do ballet clássico. Do contrário, caso tivésse coreografado a partir da fidelidade com rituais de sacrifício talvez não dialogaria tão abertamente com o seu público, por se situar no campo do incomunicável de uma linguagem nada ou pouco acessível ao público europeu do início do século passado.
Bibliografia
Microsoft Multimedia Stravinsky – The rite of spring. Na Illustrated, Interactive Musical Exploration. By Robert Winter with the Voyager Company.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Cultura. Vol II. Lisboa: Jornal do Fôro, 1955.
STRAVINSKY, Igor. Poética Musical em 6 lições. Rio de Janeiro: Jorge Zajar Editor, 1996.
GIL, José. Movimento Total. São Paulo: Iluminuras, 2004.