Maria Baderna

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Maria ou Marietta Baderna foi uma bailarina italiana que viveu no século XIX e veio para o Brasil para fugir da repressão desencadeada pelas revoluções de 1848. Tendo alcançado grande e precoce sucesso como dançarina clássica na Europa, ao vir para o Brasil encantou-se e imergiu na cultura brasileira, chocando o público conservador e racista da época ao apresentar espetáculos miscigenados com ritmos africanos. Era uma mulher livre que desafiava os preconceitos moralistas com sua maneira de viver e ao mesmo tempo encantava legiões de admiradores que apreciavam sua arte e que a acompanhavam onde quer que fosse, sendo por isso chamados de "badernistas" ou "baderneiros", em alusão a seu sobrenome - o qual entrou para a história e também para o dicionário ao ganhar o significado de confusão, desordem e bagunça.

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Biografia

Marietta (que no Brasil era chamada de Maria) Baderna nasceu em Castelo San Giovanni em Piacenza, Itália, em 1828. Desde cedo mostrou inclinação para a dança, estudando com um reconhecido mestre da época, Carlo Blasis, responsável pela formação de nove entre 10 estrelas do balé europeu da época. Sua carreira foi vertiginosa. Bonita e talentosa, já aos 15 anos era saudada como uma das revelações mais promissoras em Milão, sede do Scala, um dos teatros líricos mais importantes do mundo. Estreou no Scala em 1843, com sucesso instantâneo de crítica e público e em poucos anos tornou-se, quase menina, a primeira bailarina do famosíssimo teatro lírico.

Então vieram as revoltas de 1848, a derrota dos nacionalistas e o recrudescimento da repressão austríaca. Em 1847 Marietta teve uma temporada de grande sucesso na Inglaterra, onde apresentou-se em Londres, voltando em seguida à Itália, mas não por muito tempo. No auge do sucesso na Europa, a bailarina recebeu uma ordem da diretiva revolucionária de não participar da vida artística dos teatros enquanto a Itália estivesse sob domínio austríaco. Seu pai, o médico Antonio Baderna, foi seu incentivador, em uma época em que ser bailarina era o mesmo que escolher ser prostituta. Ele era um liberal ligado aos ideais de Giuseppe Mazzini, revolucionário que lutava contra a ocupação austríaca do norte da Itália. Para fugir à repressão, embarcaram no bergantim “Andréa Doria”, com 55 artistas de uma companhia de canto e outra de dança, contratados para se apresentar no Brasil, onde desembarcaram no ano seguinte.

Como primeira-bailarina do Scala, Marietta já tinha despertado a atenção dos brasileiros, que nunca tinham visto uma artista dessa categoria. No Brasil consagrou sua carreira no principal teatro carioca, o São Pedro de Alcântara, mais tarde renomeado para Teatro João Caetano. Marietta estreou com o balé "Il ballo delle Fate" ("O Balé das Fadas"), do coreógrafo Giuseppe Villa, na noite de 29 de setembro de 1849. Fez furor. Havia grupos de partidários das divas do canto lírico e logo se formaram também de adeptos fervorosos de Marietta. O jornal Correio Mercantil a classificou como "a rainha das fadas". Em poucos meses, Marietta tornou-se uma espécie de divindade pagã, musa da juventude romântica, admirada pelos intelectuais, desejada pelos aristocratas.

Segundo o biógrafo Silverio Corvisieri, que publicou o livro "Maria Baderna: a bailarina de dois mundos" em 2001, Marietta tinha personalidade rebelde, vivendo de maneira excessivamente liberal para o Brasil de D. Pedro II. Além de namoradeira, ela às vezes dançava em bailes, praças e praias. Nessas ocasiões, longe da rigidez dos palcos, preferia os ritmos calientes como o sensual lundum, então relegado aos lugares freqüentados por escravos.

Sempre à frente de seu tempo, Baderna se interessou pelos ritmos afro-brasileiros e saiu às ruas para ver o requebrar das mulatas. Em pouco tempo foi considerada a musa do lundum, da cachuca e da umbigada, danças com movimentos bastante ousados para a época de dom Pedro 2º. Num ambiente de moralismo e preconceito (ao menos para efeito público), protagonizou um escândalo no Recife em 1851 ao encenar um lundum. Apesar dos protestos racistas, a temporada foi mais um sucesso e marcou o início do abrasileiramento da artista, cujo primeiro contato com as danças dos negros e mulatos tinha sido pela leitura das Cartas Chilenas, do poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga.

Baderna dançava junto com os “grupos do povo”, o Lundum d’Amarroa, anunciado como “um gracioso bailado, eufemismo para não assustar a sensibilidade de um certo público” e, posteriormente, dançou Negri, “de título inequívoco”, ainda em Recife (Corvisieri, 2001, p. 125-128).

Nos anos seguintes, o panorama artístico do Rio de Janeiro alterou-se. O público interessava-se cada vez mais pela ópera e pelas cantoras, o que levou à marginalização da dança. As referências à Baderna na imprensa escasseiam, sabendo-se que ainda estava no Rio, em 1856, mas inativa. Reapareceria na França em 1863, onde fez sua despedida dos palcos, em 1865.

Depois, veio o silêncio, ajudando a alimentar o mito: o mito da bailarina que foi amiga do grande ator João Caetano, contemporânea de cantoras famosas como Candiani e elogiada por escritores e jornalistas como José de Alencar ou José Maria da Silva Paranhos, o futuro Visconde do Rio Branco. Mito de uma mulher que ousou desafiar as normas de uma sociedade conservadora e escravista e cujo fantasma, segundo Corvisieri, ainda ronda no céu do Rio, com um sorriso ambíguo (...), como se quisesse conservar uma margem de vaga e etérea elegância continuando sua dança, estrela entre as estrelas (CORVISIERI, 2001).

Seu estilo de vida, considerado transgressor, deu à bailarina uma existência plena em dois mundos: de noite, uma sílfide nos palcos, de dia, uma revolucionária.


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Os "baderneiros"

Após ter alcançado enorme sucesso em O Lago das Fadas, Baderna começou a ser alvo de críticas ao incorporar ritmos afro-brasileiros em suas coreografias. Isso porque algumas danças eram consideradas pela sociedade e a imprensa em geral, como libidinosas.

Para as autoridades e a elite, ao assumir o lundu, dança de negros e escravos, Baderna punha em risco o processo "europeizador" de anos de tentativas de purificar a raça. Por essa razão, a bailarina, apoiada por seus seguidores, jovens românticos defensores da cultura nacional, tornou-se símbolo do inconformismo.

Em artigo publicado no Diário de Pernambuco, em 28 de janeiro de 1851, um autor anônimo se contrapõe à reação de alguns segmentos perguntando "qual o passo, qual o bamboleio, o rebolado lascivo do lundu que poderia ser comparado aos trechos em que a delicada Baderna, leve como uma sílfide, abre as pernas como se desejasse se dividir em duas?". Para ele, a justificativa talvez fosse por serem "danças nacionais e não estrangeiras" (Corvisieri, 2001, p.124).

Dessa forma, Baderna começou a sofrer a perseguição dos conservadores e moralistas, sendo tida como um mau exemplo para as futuras gerações. Começou a ser rejeitada também pelos empresários e suas apresentações ficavam reduzidas em tempo e em segundo plano. Os seus fãs, já conhecidos como baderneiros, protestavam batendo os pés no chão e intrrompendo os espetáculos. Ao término das apresentações, saíam pelas ruas da cidade batendo os pés e gritando o nome da artista.

Prevaleceu a vontade dos conservadores e os bons costumes foram salvaguardados. Marginalizada e para muitos tida como prostituta, não coube a Marietta Baderna outro destino: com o pai voltou para a Itália e sua carreira entrou em decadência. "Dela ficou como legado a ousadia de afrontar as ditas regras sociais e bons costumes e a palavra baderna, registrada como sinônimo de bagunça, confusão, desordem pública", explica o professor Ari Riboldi, para o site da Terra.

A "graciosa sílfide que sempre aplaudimos" (José de Alencar) saiu de cena e entrou para os dicionários.

Referências

CORVISIERI, Silverio. "Maria Baderna: a bailarina de dois mundos". Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001.

SANCHEZ, Vera A. S. "Entre o popular e o erudito, 'a civilização no Brasil começou pelos pés'". Soc. e Cult., Goiânia, v. 13, n. 2, p. 269-276, jul./dez. 2010.

Filme: "Veja & Ouça - Maria Baderna no Brasil", 18min. Dir:. André Francioli (2004-2005)

Links Externos

[1] Quem inspirou o termo baderna?

[2] "A Baderna e o Dicionário", por Homero Fonseca

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