Teoria Corpomídia

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"Segundo a visão tradicional, estudar comunicação equivale a estudar os meios de comunicação: o jornal, o rádio,
a TV. Então, tradicionalmente, o corpo também é visto como um veículo, como mais um meio de comunicação. Mas esse tipo
de formulação, de corpo-veículo, corpo-instrumento, ainda traz um resíduo muito forte do pensamento cartesiano, do
corpo que abriga um fantasma: o sujeito cartesiano que o habita é o velho “fantasma na máquina”. Esse sujeito tem um
corpo e o utiliza para comunicar algo. A teoria “corpomídia” se contrapõe a essa visão dizendo que o corpo comunica
porque o corpo é um sujeito. Não se trata, portanto, de um sujeito que tem um corpo. O autor americano Mark Johnson
diz que até a ideia de “corpomente” ainda carrega a velha dualidade. Ele nos propõe pensarmos em um organismo
ecológico: o corpo é inseparável do seu ambiente. Eu e a professora Helena Katz formulamos o “corpomídia” querendo
dizer fundamentalmente a mesma coisa. Trata-se de um corpo que não pertence a um sujeito fantasmagórico, mas que
também não é só corpo. É corpo mente, corpo-cérebro e corpo-ambiente também. Não está suspenso, apartado de nada.
Está em permanente processo de evolução com o ambiente natural e cultural em que se encontra. O objetivo da teoria é
trabalhar com todos esses trânsitos, fluxos simultâneos, compreendendo o corpo como ativador de mediações." -
Christine Greiner, 2011.


Tabela de conteúdo

Breve Histórico

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A Teoria Corpomídia foi desenvolvida por Christine Greiner e Helena Katz ao longo de uma duradoura parceria que permanece até hoje. As pesquisadoras (professoras da PUC/SP) mantém o conceito em contínuo desenvolvimento, através da elaboração e apresentação de artigos, inserção do conceito em livros, palestras e salas de aula. O conceito é fruto de uma abordagem interdisciplinar, tanto para corpo, quanto para mídia. Nesse sentido, por um lado o corpo é encarado numa relação entre dentro e fora, rompendo com a antiga ideia de dualismo corpo/mente, mas dando um enfoque múltiplo ao corpo. Por outro lado, o corpo é mediador, no sentido de re-apresentar informações que "capta" do ambiente. Para o desenvolvimento da Teoria Corpomídia, as autoras se baseiam em algumas apostas de pensamento, sendo as Ciências Cognitivas uma das mais relacionadas com a ideia de corpo que elas procuram organizar.


A Natureza Cultural do Corpo

O título acima é de um artigo (homônimo) escrito em parceria entre Christine Greiner e Helena Katz, publicado no livro "Lições de Dança 3". Este é um dos artigos em que a Teoria Corpomídia é apresentada, e seus precedentes. Buscamos através deste artigo apresentar um recorte desse pensamento. Para isso, além da escolha do texto, apresentamos a seguir um resumo, com trechos retirados do artigo e organizados para melhor entendimento. Novas informações que componham o conceito de "corpomídia" poderão ser futuramente inseridas.


Objetivo

Apontar mudanças na concepção de cultura a partir de certos estudos interteóricos sobre o corpo realizados sobretudo nos últimos 20 anos. Nas chamadas Ciências Cognitivas, a relação entre corpo e ambiente ganha uma nova configuração. Revê e sugere novas possibilidades de estudo da cultura como um processo complexo, no qual não se distingue de forma dual e absoluta interno e externo, cultura e não-cultura, sujeitos e objetos.


Introdução

Em meados do século XIX, sintomas entendidos como histéricos, descritos como de natureza histórica, inauguravam um entendimento do corpo que abalroava a convicção de que era “uma coisa que pensa”.


No século XVII, as ciências matemáticas e naturais eram consideradas domínios da precisão. Nessa época, aproximando a cognição dos objetos da matemática, Decartes propõe a cognição como sendo auto-referencial, não dependendo de nada que não dela mesma. O pensamento como legislador daquilo que existe. Usando a matemática como linguagem da verdade do mundo, consolida-se a compreensão de que existe uma essência humana e ela se localiza numa mente (ou alma, ou espírito) separada do corpo.


Transformado em objeto, o corpo depende de ciências capazes de desvendá-lo, enquanto a mente se apóia em idéias claras e distintas. Divisão entre res extensa (corpo) e res cogitans (mente).


Apenas dois séculos depois surgiram outros pensadores que começariam a romper com a tradição dualista do corpo inaugurada por Decartes. Filósofos e fenomenologistas, a psicanálise de Lacan, a história social de Foucault a teoria da linguagem de Kristeva ou a teoria dos Gêneros de Irigaray, são algumas das ciências e dos autores citados no texto.


O Corpo como mídia

No século XIX surgem laboratórios experimentais com objetivo de estudar o que acontece com um indivíduo quando ele está pensando. A psicofísica se desenvolver nessa época, apoiada pelos inventos dedicados a tornar a mente observável.


A idéia de um corpo controlado e/ou construído, de Foucault, descreve o corpo como sitio onde os discursos se inscrevem, como um ponto nodal das relações produtivas de poder. Ele passa a ler um corpo que não existe fora de sua existência social. Foucault estuda constelações diferentes de poder (hospital, regimes políticos, escolas, prisões, etc) como nexos fundamentais ao entendimento das configurações do corpo.


Em Merleau-Ponty, a carne significa uma interligação de estruturas e forças que interagem sem dominância entre elas e sem existência de um centro controlador. Reforça-se a idéia de encarnado, que em 1928, Heidegger desenvolve em sua fenomenologia. “Não temos um corpo, mas somos incorporados”.


Alguns semioticistas da cultura já haviam apontado o mecanismo da cultura como um sistema capaz de transformar a esfera externa em interna, a entropia em informação. A cultura não seria uma oposição entre externo e interno, mas uma possibilidade de passagem de um âmbito a outro.


Para Edwin Hutchins (1995) a Cultura seria um processo cognitivo que teria lugar dentro e for a das mentes das pessoas, um processo através do qual as práticas do cotidiano cultural emergem. A cognição seria, por si mesma, um processo cultural.


Richard Dawkins propõe a meme como sendo a unidade da cultura. Residente no Cérebro, essa unidade de informação estende-se em fenótipos diversos criando uma conexão singular entre corpo e ambiente, assim como entre corpo e artefatos e entre corpo e cultura.


Hoje sabe-se que nada é puramente determinado pela genética ou pelo ambiente e que somos, como todas as criaturas, um produto complexo de ambos.


Questões que se espalham com o tempo

A tradição filosófica se encontra com a científica na “filosofia da mente”, que se dedicará a explicar que olhar, planejar, alcançar e lembrar constituem-se como ações acopladas dinamicamente para que os processos de comunicação se estabeleçam num corpo.


As informações do meio se instalam no corpo; o corpo, alterado por elas, continua a se relacionar com o meio, mas agora de outra maneira, o que o leva a propor novas formas de troca. Meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças.


É a própria idéia de que o homem observa a natureza de fora que entra em colapso. Junto com ela a descrição científica da ciência clássica, em que sua objetividade, objetos descritos não contém traços de quem o descreve.


Corpo - modelo de comunicação entre natureza e cultura

O sentido de tratar o mesmo objeto em distintas molduras teóricas está no aumento de recursos para o esclarecimento de suas zonas nebulosas. É nesse sentido que, para se entender como o movimento se aloja no corpo, por exemplo, as ciências que tratam do movimento devem ser consultadas. Com elas podemos compreender o que acontece no corpo enquanto processa as informações necessárias à sua sobrevivência, adaptação e reprodução. E, então, descobrir como o movimento se especializa a ponto de se transformar em representação teatral, gesto musical, dança, acrobacia, performance, música, ou seja, nas suas ações no mundo na forma de arte.


Corpo, Comunicação, Cultura

O próprio corpo resulta de contínuas negociações de informações com o ambiente e carrega esse seu modo de existir para outras instâncias de seu funcionamento.

Cada tipo de aprendizado traz ao corpo uma rede particular de conexões. Quando se aprende um movimento, aprende-se junto o que vem antes e o que vem depois dele.

Nesse aspecto, vê-se instalada no corpo a própria condição de estar vivo e ela se apóia basicamente no sucesso da transferência permanente de informação.

Sendo o corpo ele mesmo uma espécie de mídia, a informação que passa por ele colabora com seu design, pois desenha simultaneamente as famílias de suas interfaces.

A idéia de cultura aqui adotada é a de um sistema aberto, apto a contaminar o corpo e a ser por ele contaminado.


Quando se olha para o corpo humano, percebe-se que se trata de um exemplo privilegiado para deixar explícito o tipo de relacionamento existente entre natureza e cultura. (...) O objetivo de apresentar o corpo como mídia passa pelo entendimento dele como sendo o resultado provisório de acordos contínuos entre mecanismo de produção, armazenamento, transformação e distribuição de informação.


As informações tendem a operar dentro de um processo permanente de comunicação e, nesse movimento de trocas constantes, enquanto se modificam, as informações vão também transformando o meio.


...com o passar do tempo, as trocas permanentes de informação tenderiam quase que como uma conseqüência natural a borrar suas próprias delimitações, produzindo, então, uma plasticidade de fronteiras. (...) tanto na ciência, quanto na arte.


Na compreensão da vida como produto e produtora de uma rede inestancável de troca de informações, a idéia de corpo como mídia ocupa posição central.

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